A política é parte integrante da atividade dos designers, sendo esta, portanto, uma dimensão central do design de comunicação. Quer isto dizer que, o “design é, como tudo na vida, político” (Moura, 2008a, p. 36)1 porque, tal como Steven Heller e Michael Bierut defendem, todas as decisões do designer se concentram à volta da sociedade.
O QUE É A POLÍTICA?
No sentido lato da palavra, a política significa a arte e o processo de governar uma sociedade com o objetivo de atender aos diversos temas sociais e económicos de interesse público. Portanto, a sociedade está no cerne e foco da política. Mas a definição de política é, na maior parte das vezes, vista essencialmente como a atividade e o debate de poder entre os partidos
políticos de um Estado ou nação. No entanto, para o caso, o importante na política é que esta compreende a ação de influenciar a opinião pública – positiva ou negativamente.
Quando nos referimos à política no design, não estamos a falar do trabalho de design que é dirigido a campanhas ou ações políticas dos partidos de um governo. Olhar para o campo da política de Estados pode ampliar as possibilidades da prática do designer, mas interessa-nos antes evidenciar o seu poder e influência social na sua relação com os cidadãos, com os seus interesses e com os valores ou princípios dos mesmos; tanto seja no campo da política de Estados, como na área comercial e de vendas, como em questões humanitárias. O design, em constante relação com a sociedade, pode fazer uso das suas ferramentas para influenciar uma visão, uma vez que qualquer decisão tomada e qualquer mensagem produzida pelo designer será tornada pública e irá influenciar comportamentos e opiniões, direta ou indiretamente. Naturalmente, com isto, vem a responsabilidade social, política e cultural, por parte do designer, com aqueles com quem comunica (Bártolo, 2006) 2 e, como tal, teremos de evidenciar igualmente a ética, uma vez que todo o processo de design envolve julgamentos éticos, independentemente do conhecimento do designer ou não.
A ÉTICA
A ética difere da política, na medida em que a política exerce uma influência pública independentemente dos seus meios ou fins e, a ética envolve deliberações sobre o que é mais apropriado exclusivamente pela razão, diferenciando-se também da
moral – conjunto de princípios e valores de conduta do homem que regem determinado grupo ou indivíduo.
“Ética é o domínio no qual os julgamentos, sobre como os humanos devem comportar-se uns com os outros e com as criaturas e coisas ao seu redor, são feitos” (Erlhoff & Marshall, 2007, p. 151)3. No processo de design, devem ser feitas deliberações éticas sobre: a) como os seres humanos irão interagir com os produtos, ambientes e comunicações e de que forma estes os irão influenciar; b) qual o propósito principal do cliente; c) se o cliente estará a ser honesto para com o seu público; d) qual o impacto que terá o trabalho no meio ambiente; e) como o trabalho irá afetar outros profissionais da área; – dando ao designer responsabilidade do impacto que o seu trabalho virá a ter sobre aqueles com os quais comunica, direta ou indiretamente.
Citando Steven Heller (2003)4, “O designer deve ser responsável profissionalmente, socialmente e culturalmente pelo impacto que o seu trabalho tem na cidadania. De facto, todo o bom cidadão deve compreender que as suas ações têm reações. Todos os atos individuais, incluindo a prática do design para um cliente, exercem impacto nos outros” .
DIMENSÃO COMERCIAL
Apesar do crescente número de projetos de design que demonstram esta responsabilidade ao abarcarem assuntos sociais como a ecologia ou os direitos humanos, parece haver uma dimensão no design que se coloca no seu contraponto – a dimensão comercial. Como Paul Rand referia, já em 1985, “não é segredo nenhum que o mundo real em que o designer trabalha (…) é (…) o mundo da compra e venda. As vendas, e não o design, são a razão de ser de qualquer empresa” (Rand, 1985, p. 233)5 e é, por isso, neste mundo que o designer garante a sua subsistência . Mas, numa era regida pelo capitalismo, a norma é a preocupação pelo crescimento económico apoiado na inovação tecnológica e no seu consumo, acima das necessidades humanas e ambientais.
Quando o principal objetivo dos governos ocidentais se concentra numa obsessão com o crescimento económico, o estado de crise aumenta naturalmente, não apenas em todas as camadas da sociedade, como também em todas as disciplinas; nesta conjetura, o design não é exceção (Laranjo, 2015a)6. O design fica “preso entre o discurso disciplinar e o interesse pessoal, privado e público” (Laranjo, 2015a, pp. 20, 21)6. Desta forma, os designers investem os seus recursos de tempo, orçamento, capacidades e criatividade no comércio (McCoy, 2003)7 e, muitos dos “dilemas éticos com os quais se confrontam são o resultado do design ser uma atividade comercial” (Roberts L. , 2006, p. 13)8. Mário Moura (2008b)9 também refere que o “design é (…) uma atividade cujos fundamentos estão ligados, não a um serviço público, mas à esfera dos negócios privados. (…) os designers são treinados para se verem a si mesmos como empresas de uma pessoa só, encarando todos os seus interlocutores como clientes. Precisamente por isto, o designer torna-se o exemplo acabado da subjetividade neoliberal, que tende a substituir a ideia de cidadania por uma ideia de empreendedorismo individual” (p. 10). A economia fica acima de outras preocupações potenciais, incluindo as necessidades sociais, educacionais, culturais, espirituais e políticas (McCoy, 2003)7.
PAPEL DO DESIGNER
De acordo com Katherine McCoy (2003)7, o designer não pode ser passivo; tem de ser um bom cidadão e participar na definição do nosso governo e sociedade, usar os seus talentos e capacidades particulares para encorajar a participação e o debate. Ao assumir um papel político e ético, a preocupação do designer centra-se mais na informação do que na persuasão, no conteúdo que na estética, nas pessoas que no lucro. A posição dos designers face a esta problemática pode também ser vista como uma posição política ou apolítica. Segundo a autora, o designer apolítico é aquele que aprecia o mito do design universal, livre de valores, que se desdobra num processo clínico semelhante à química, cientificamente puro e neutro, conduzido num laboratório esterilizado com resultados precisos e previsíveis. Refere ainda que o funcionalismo que os designers procuram alcançar significa, muitas vezes, servir o cliente – serviço esse que tende a ser medido pelo lucro – acima de outras preocupações como a segurança, o ambiente ou os impactos sociais, culturais e políticos.
A decisão de trabalhar como designer em projetos corporativos ou publicidade, ou qualquer outro tipo de design, é uma escolha política (Poynor, 1999)10. Também Rick Poynor se apoia no argumento de Katherine McCoy, que nos diz que “o design não é um processo neutro e sem valor”; mesmo o conteúdo mais inócuo nunca é desprovido de viés político.
Johanna Drucker (cit in (Poynor, 1999)10) sugere que o que está em jogo no design contemporâneo não é tanto a aparência ou a forma, mas a vida e a consciência do designer, e de todos os outros. Argumenta que o processo de desbloquear e expor a base ideológica subjacente à cultura comercial, se resume a uma simples pergunta que precisamos de colocar com persistência: “Qual o interesse e quais os fins? Quem ganha com esta construção da realidade, pela representação desta condição como natural?”.
RESUMO
Em suma, o designer deve ter consciência e responsabilidade do valor e impacto do seu trabalho na sociedade e compreender que a sua atividade se caracteriza pela tomada de decisões políticas que irão definir o peso, positivo ou negativo, desse impacto. Segundo Anne Bush (2003)11, no seu sentido mais fundamental, a responsabilidade é a capacidade para responder; é, não só a boa vontade para agir, mas também a capacidade para compreender as suas ações, o contexto em que estas são aplicadas, e a mais ampla gama de implicações da sua receção e potencial de reinterpretação. O design, é uma ferramenta poderosa, capaz de informar, divulgar e publicitar mensagens sociais, ambientais e políticas, bem como comerciais (McCoy, 2003)7. É uma atividade com importância social, política e cultural que pode consciencializar e instruir a sociedade para os mais diversos assuntos, entre eles, a ética, a humanidade ou a ecologia, por exemplo.
1 Moura, M. (2008a). Alinhamento óptico. Em M. Moura, O Design em Tempos de Crise (pp. 35-36). Portugal: Braço de Ferro - arte & design.
2 Bártolo, J. (2006). O estado do design: Reflexões sobre teoria do design em Portugal. Obtido em 27 de novembro de 2016, de Arte Capital: http://www.artecapital.net/opiniao-30-jose-bartolo-o-estado-do-design-reflexoes-sobre-teoria-do-design-em-portugal
3 Erlhoff, M., & Marshall, T. (2007). Design Dictionary: Perspectives on Design Terminology. Germany: Birkhäuser Architecture
4 Heller, S. (2003). Introduction. Em S. Heller, & V. Vienne, Citizen Designer (pp. ix-xi). New York: Allworth Press.
5 Rand, P. (1985). The Politics of Design. Em P. Rand, A Designer's Art (pp. 233-235). New Haven & London: Yale University Press. Obtido de Paul Rand.
6 Laranjo, F. (2015a). Avoiding the Post Critical. Em F. L. (Ed), Modes of Criticism 1 – Critical, Uncritical, Post-critical (pp. 19-27). Portugal.
7 McCoy, K. (2003). Good Citizenship: Design as a Social and Political Force. Em S. Heller, & V. Vienne, Citizen Designer: perspectives on design responsibility (pp. 2-8). New York: Allworth Press.
8 Roberts, L. (2006). Good: An introduction to ethics in graphic design (01 ed.). Switzerland: AVA Publishing SA.
9 Moura, M. (2008b). Introdução. Em M. Moura, Design em tempos de crise (pp. 9-11). Portugal: Braço de Ferro.
10 Poynor, R. (1999). First Things First Revisited. Obtido em 11 de novembro de 2016, de Emigre, (51): http://www.emigre.com/Editorial.php?sect=1&id=13
11 Bush, A. (2003). Beyond Pro Bono: Graphic Design's Social Work. Em S. Heller, & V. Vienne, Citizen Designer: Perspectives on Design Responsability (pp. 25-31). New York: Allworth Press.